Braziel

A segunda “cegueira” do dançarino e coreógrafo Duda Paiva, no auge da sua carreira internacional.

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Duda Paiva como Van Gogh, foto de Petr Kurecka

A mágica de Duda Paiva desafia classificações. Acontece no palco e tem elementos de drama e humor, dança, música e manipulação de bonecos, mas o resultado é sempre maior do que a soma destes fatores. Depois de alguns minutos em cena, os bonecos desaparecem. Ou melhor, o manipulador desaparece. Ou, melhor ainda, os dois se fundem em uma nova realidade que dispensa explicações e barreira. Simplesmente hipnotiza, toca fundo e emociona.

A alma anárquica de Duda nunca permitiu que o seu corpo estivesse parado ou acomodado num lugar só. Aos 14 anos o levou para o teatro, e dali para a dança, ainda na Goiânia dos anos 80. De lá foi para a Índia, onde o butô a sequestrou e o levou para o Japão pra aprender com o grande mestre Kazuo Ono. Só anos depois, já na Holanda, um encontro com Porshia La Belle (uma boneca apresentada a ele pelo grupo Gertrude Theater de Israel) lhe permitiu construir uma base firme, a sua própria companhia teatral, e lhe deu um propósito de longo prazo: o desenvolvimento de uma técnica única, inédita e universal, que envolve a fusão de dança, teatro e manipulação de bonecos esculpidos por ele mesmo em espuma elástica. Hoje em dia a Duda Paiva Company, com base em Amsterdã, encanta os quatro cantos do mundo e o bailarino e coreógrafo goiano dissemina a sua arte através de espetáculos e workshops itinerantes que vão do Canadá à Austrália, do Brasil à Noruega.

Duda encontrou uma brechinha para falar com o Braziel em Amsterdã entre espetáculos em Lisboa e Dusseldorf, logo após uma aula fechada que ele deu ao diretor londrino do Lion King e um dia antes de partir para um mês de ensaios na Noruega. Em setembro, Duda é convidado de honra do mais importante festival de teatro de objetos do mundo: o Festival Mondial du Theatre des Marionnettes de Charleville-Mézières, na França. Ali ele estreia o seu novo espetáculo Blind, uma coprodução entre Austrália, Noruega, França e Holanda. Nesta entrevista exclusiva ao Braziel, Duda explica porque se sente insatisfeito com a Holanda e pretende passar mais tempo no Brasil, no futuro próximo.

 

cartazes do Festival Mondial du Theatre des Marionnettes de Charleville-Mézières de 2015, com os bonecos de Duda Paiva

A tua biografia, no site da companhia, começa em 96, quando você chega na Holanda. O que aconteceu do teu nascimento até 96?

Quando eu tinha 14 anos meu irmão me levou para uma escola de artes dramáticas em Goiânia. Lá eu comecei a fazer teatro e aos 15 eu já fui convidado pra fazer parte da companhia profissional. Como eu estava em transição de adolescente, a minha voz falhava muito, então eu não conseguia personagens com texto. A voz oscilava demais, então eu comecei naturalmente a me tornar o “physical clown” da companhia. Por causa disso eu descobri que eu era engraçado, que o meu corpo falava, tinha muita expressão e por isso comecei a fazer dança. Mas a minha paixão inicial foi atuar. A dança veio depois, foi complementar. Depois disso eu comecei a fazer dança no Royal Academy, que é uma franchising da técnica do Royal Ballet inglês, uma escola muito boa que tinha em Goiânia, e entrei para uma companhia de dança chamada Quasar, que estava iniciando. Lá eu fiquei 8 anos. Depois eu me mudei para a Índia, onde fiquei 2 anos. Lá eu conheci japoneses que faziam butô. Fui para o Japão estudar butô com o Kazuo Ono. Depois voltei para o Brasil. Montei um solo de Butô em Goiânia, imagina…. E ainda naquela época…. (risos). Eu sempre tive esta vontade de conhecer coisas completamente diferentes.

Como a tua família reagiu quando você começou a dançar?

Minha mãe ficou até aliviada, na verdade, porque eu era um menino muito doente, eu quase fiquei cego. Eu tinha um problema nos olhos, fiz dezoito operações, sofria demais. Mas fazer teatro em Goiânia naquela época ( anos 80) era foda, era muito difícil, tinha muito preconceito, era um tabu muito grande. Mas como eu não tinha vínculo com nada, não devia nada a ninguém, eu fazia exatamente o que eu queria.

E como você veio parar na Holanda?

Por duas razões: a primeira foi a saúde. Por causa da sensibilidade dos meus olhos eu ia me mudar ou pro Alaska, ou pra Noruega ou pra cá, lugares onde é mais escuro. Eu era muito sensível à luz, tinha muitas infecções nos olhos, era muita dor. Umas das razões era essa e o meu irmão já morava aqui. Então eu pensei: vou pra Holanda, vou tentar a vida lá. Mas no começo eu fazia testes e ninguém me pegava, então eu lavava banheiro, trabalhava de modelo pra pintores e escultores, comecei de baixo mesmo. Até que um dia, um coreógrafo me deu trabalho e, de lá pra frente, eu nunca deixei de trabalhar. Por causa do trabalho eu consegui meu passaporte Holandês.

Duda Paiva na Noruega em 2012

Você teve dificuldades em se adaptar? Como a Holanda formou a pessoa e o profissional que você é hoje?

A Holanda nos anos 90 era uma Meca de receptividade. Havia naquela época a crença (quase que utópica) de uma postura multicultural, multidisciplinar, que era tudo o que eu queria. Era o Paraíso e eu me encontrei artisticamente. A Holanda, naquela época, foi extremamente generosa.

Como os teus colegas da dança reagiram à tua transição para o teatro?

Meus colegas de dança nunca gostaram de mim (risos) porque eu trouxe uma paixão e uma selvageria oriunda do Brasil: a de fazer o que eu queria. . Apesar de eu ter alguma técnica, eu não gostava de fazer as coisas desenhadas no caderno. Eu acredito, até hoje, que na arte existe metamorfose, que existe movimento, que as coisas mudam e que precisa existir uma generosidade, uma troca generosa de informação. Então os coreógrafos me ofereciam uma coreografia, eu executava. Se ficava feio no meu corpo, ou se eu não gostava, eu sugeria mudanças. Eu não tinha nenhuma vergonha na cara. Eu falava: “tá aqui a sua coreografia, mas assim vai ficar melhor, isso combina mais comigo. Me dá uma cadeira?” Eu sempre gostei de objetos . Eu não gostava de fazer dancinha, fazer “partnering” com gente, eu gostava de cadeiras, tapetes…. E os coreógrafos adoravam e me deixavam fazer tudo o que eu queria, e os outros não podiam. Aí os críticos dos jornais falavam bem do meu trabalho, consequentemente isso gerava uma despeito de alguns colegas.

Como os bonecos entraram na tua vida?

Em 98 eu estava na Companhia  do coreógrafo Itzik Galili, ele convidou uma companhia de bonecos de Israel chamada Gertrude Theater, e queria fazer esta fusão entre dança e bonecos. Elas tiraram um boneco de dentro de um saco de lixo e quando eu olhei pro boneco (chamada Porshia La Belle), um novo mundo se abriu dentro de mim. Eu olhei pra Porshia e decidi: “eu vou fazer isso de hoje em diante. É isso o que eu quero!”. Foi amor à primeira vista.

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Duda e Porshia , foto de Petr Kurecka

E você chegou a experimentar outros formatos ou materiais?

Nunca! Nada, foi aquilo e pronto. Eu só trabalho com a espuma e não tenho interesse em pesquisar outro material porque não existe outro material mais generoso que a espuma elástica. Ela é leve, ela proporciona horas de trabalho, tem um poder de metamorfose da máscara muito grande porque qualquer compressão dos dedos muda a expressão dos bonecos. E ao mesmo tempo, o corpo do boneco é uma extensão do corpo do bailarino. Nessa semiótica teatral a espuma traz um mundo todo novo e que é muito pouco explorado. E eu adoro estar neste tipo de situação onde tudo é novo. Tem outra coisa: a dança moderna estava me enchendo o saco, porque estava ficando muito elitizada, muito conceitual. Fazia sentido só pra quem estava fazendo, só para mundo da dança. O público não entendia nada. Por isso o público começou a não comparecer mais aos teatros. E o boneco me trouxe uma humildade, porque o boneco não te deixa mentir. Ele te força a estar no presente, no aqui e agora. Além do mais, eu entendi que eu era um amante de historias as quais os bonecos me ajudavam a narrar, sendo com palavras ou pela fisicalidade.

Agora que você dá workshops pelo mundo inteiro ensinando a técnica de interação com os bonecos aliada à dança, como anda a evolução da tua técnica por parte de outros artistas?

Ainda é uma técnica a ser formatada. Existem pessoas fazendo doutorados que trabalham comigo e estão tentando formatar, formalizar isso. Mas ainda falta muito, é uma jornada. Como a gente diz em Minas e Goiás: Ainda falta um queijo e uma rapadura.

Você alguma vez teve receio em compartilhar a tua técnica com outros artistas? Você já teve ciúme de ver um boneco teu com outros artistas?

Não, porque o que é nosso tá guardado. Eu adoro dividir. Muitas companhias me chamam pra assessorá-las, pra ajudar artisticamente, eu dou todas as minhas dicas, tudo.

Você sonha com os bonecos?

Nunca. Eu não sonho. Eu faço. Eu sonho, mas acordado.

Numa entrevista recente a um jornal de Goiânia você afirmou que a Holanda mudou muito nos últimos anos e citou a ascensão da extrema direita na Europa e os cortes no financiamento estatal da cultura na Holanda. Como estas coisas te afetam?

Afetam praticamente, porque os subsídios são menores. E pra mim a forma menos democrática de se governar é assim, acabando com a pesquisa teatral e restringindo o acesso ao teatro, que é uma manifestação do inconsciente popular. E o que a extrema direita faz é titubear as pessoas para que elas não questionem, para que elas não pensem. Eu acho isso uma coisa extremamente desleal e manipuladora. Realmente a Holanda não é mais o lugar que eu escolhi para morar. O que esta acontecendo comigo e com quase todo mundo que faz teatro, dança, música é que há menos acesso. Por exemplo, um jornal Holandês já não faz uma entrevista com você a menos que você seja uma companhia que recebe subsídio estrutural (n.d.r.: subsídio fixo por um tempo determinado, que não precisa ser pedido a cada ano). Isso é como que uma lei. Você pode ter o sucesso que tiver. E o artista estrangeiro aqui sofre ainda mais com isso. Eu até entendo como isso funciona. O pouco subsídio que ainda existe é dividido entre holandeses, entre talentos que possam representar a Holanda. Este é o “quest” deles, porque eles não têm tradição. A tradição que existia era a do multiculturalismo. Agora eles estão tentando reivindicar uma identidade que na verdade não existe. Isto é um paradoxo.

Você já se apresentou no Brasil, mas em situações isoladas, você nunca fez uma turnê pelo Brasil. Você tem vontade de promover o teu trabalho por lá?

Eu fiz espetáculos em São Paulo, Rio e Curitiba somente. Agora eu estou indo pra Goiânia de novo, levar meu primeiro solo ANGEL, através do SESC. E eu estou estudando a possibilidade de, através do SESC, desenvolver este sonho de fazer workshops mais logos. Acho que só através do SESC isso vai ser possível no Brasil. O SESC é aberto a este tipo de proposta. Eu estou desenvolvendo com eles esta proposta e o meu objetivo é fazer isso no Brasil, porque aqui na Holanda, eu não sonho mais.

Quais são teus planos pros próximos meses ou anos?

Eu estou montando um espetáculo que se chama Blind e é parcialmente a minha história de quando eu não enxergava. Eu passei quase dois anos sem enxergar, no escuro, por causa das operações. E esta sensação de não enxergar, de ter que reorganizar tudo, é a mesma sensação que eu tenho hoje em dia aqui na Holanda. Tudo sumiu e eu estou tendo que me reorganizar. É a mesma sensação de quando eu tinha os olhos vendados, de estar no escuro e ter que sobreviver, ter que me readaptar, encontrar na escuridão uma forma de sobreviver.

Continuando com a tua metáfora, esta sensação está aguçando outros sentidos em você?

Sim, eu estou tateando, tentando tatear estes elementos que vêm de dentro do escuro. Vozes, este mundo interno com a qual a gente só entra em contato quando está realmente de olhos fechados. É um mundo de sensações, de premonições, de intuição, é um resgate. Este espetáculo vai representar este resgate. É uma coprodução entre a Austrália, onde eu já passei um mês , a Noruega pra onde eu estou indo agora, também pra passar um mês, e a França, onde eu vou ser o convidado de honra do Festival Mondial du Theatre des Marionnettes de Charleville-Mézières. O espetáculo Blind estreia lá. Toda a mídia do mundo inteiro vai estar lá. Vai ser uma super exposição e eu vou expor esta vulnerabilidade que eu estou passando hoje em dia na Holanda.

Você pensa em, algum dia, voltar a morar no Brasil?

Penso!

Quando?

São planos pro futuro, assim daqui a um ano e meio…

E porque?

Por causa disso tudo. Na verdade não é mudar de vez para o Brasil, (alguns amigos dizem ser suicídio) é estabelecer uma ponte de intercâmbio entre a Holanda e o Brasil, ou entre os contatos que eu já tenho no mundo inteiro e o Brasil. Agora por exemplo, eu fiz a curadoria do festival de Charleville e eu podia convidar quem eu quisesse e eu convidei só companhias brasileiras. São companhias brasileiras que têm a curiosidade de fundir a dança com o teatro de objetos. Não é que eu queira me mudar para o Brasil por estar insatisfeito aqui. Existe sim uma insatisfação normal, mas existe também o fato concreto de tudo o que eu já realizei aqui e querer levar para lá, porque as pessoas lá têm uma curiosidade, uma vontade de ter acesso. E o Brasil é muito rico porque é uma forma diferente de pensar. E através da arte a gente abre os olhos. Os nossos olhos, como artistas e os olhos de quem está nos observando.

*FIM*

Pra conhecer melhor o trabalho de Duda Paiva, visite o site da sua companhia e assita  vários vídeos disponíveis no YouTube. Ou siga a pagina da Duda Paiva Company no Facebook. 

 

© 2015 Braziel , All pictures by Petr Kurecka

Brazilians Made in Holland #2: Duda Paiva 

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Ainda desconhecido no Brasil, o diretor teatral Marcus Azzini é sucesso de público e crítica na Holanda.

Marcus Azzini

Marcus Azzini

 

Já faz algum tempo que a imprensa holandesa não adiciona mais o adjetivo “brasileiro” ao seu título de diretor de teatro. Isso em si já é uma consagração. Marcus é o diretor artístico da companhia estável Toneelgroep Ostpool desde 2012 e atualmente está em cartaz com a peça Angels in America, do autor americano Tony Kushner. A peça retrata um complexo mosaico de personagens na Nova Iorque dos anos 80 com uma coisa em comum: todos têm que lidar com a aparição do “câncer gay” que mais tarde seria batizado de AIDS. Kushner recebeu o prêmio Pullitzer pela obra e Angels in America foi também filmada com primor pela HBO, com Al Pacino e Meryl Streep no elenco. A montagem de Azzini tem sido recebida com unanimidade positiva pela crítica (recebeu 5 estrelas, a nota máxima, dos críticos de teatro dos 3 principais jornais holandeses) e tem tido lotação esgotada em todas as salas por onde passa.


Teaser Angels in America from Toneelgroep Oostpool on Vimeo.

Tradução do Holandês: “Meu nome é Teun Luijkx, eu sou ator e faço o papel de Joe Pitt e o meu texto favorito é: “ Eu quero viver agora, eu posso ser o que eu quiser e eu quero estar ao teu lado.” (fala de Marcus Azzini) “A peça é sobre como eles reagem entre si, o quanto ficam com medo em um momento de crise. E sobre o quão humano eles deveriam ser, exatamente em momentos de medo. Como não deveriam fechar as portas mas justamente convidar as pessoas a entrar.”

A biografia de Marcus disponível on-line em vários sites holandeses é bastante sucinta:
“Porque o Teatro? Porque aos 7 anos não me deixaram entrar no balé. Aos 9 entrei num curso de teatro.”
Braziel quis saber muito mais e marcamos um encontro perto da casa dele num café na Javastraat, em Amsterdam leste. A gentrificação na área acabou de começar e conversamos por uma hora e pouco num terraço ensolarado de Abril, rodeados de belos jovens hipsters e imigrantes turcos e caribenses.
A jornada de imigrante de Marcus, como a de tantos outros que deixaram o Brasil nos anos 90, começou em Londres. O plano era passar um ano fora, trabalhar, fazer uma grana, viajar um pouco e depois voltar pra São Paulo e fazer a EAD. Ele não voltou pra o Brasil mas foi para a Italia. “Pra ser ator na Europa eu teria que falar uma língua perfeitamente, eu sabia que eu não poderia mais fazer o Hamlet.” A vontade de ser ator não passou mas ele foi em busca de um novo caminho nas artes. Desta vez o plano era ir estudar História da Arte na Itália. “Aí eu enlouqueci, porque a Itália é o Brasil na Europa, mas muito pior.” Sem saber muito o próximo passo a dar, ele veio para a Holanda, a convite do irmão. Ele tinha passado uns dias em Amsterdam no caminho para a Itália. Seu irmão tinha acabado de chegar aqui e Marcus tinha conhecido um holandês em Londres que tinha lhe causado muito boa impressão. Na Holanda, Marcus voltou definitivamente ao teatro. Estudou direção para teatro entre 1997 e 2001 e depois disso, segundo ele mesmo, tudo aconteceu muito rápido.

O que você sabia sobre a Holanda antes de chegar aqui?

Nada! As coisas turísticas, as prostitutas, o Van Gogh, o Rembrandt. De resto eu não sabia muito. Quando eu cheguei aqui, ainda passando, a caminho pra Itália, me fascinou a sensação de liberdade que tinha aqui no começo dos anos 90. Mas aí eu fui para Itália e quando cheguei lá enlouqueci e liguei pro meu irmão. Não sabia o que fazer, se voltava para Amsterdam ou fazia uma outra viagem mundo afora. E ele me falou : “Vem pra cá e aqui a gente vai vendo o que fazer.” Quando eu cheguei ele já tinha um quartinho para mim. Me alugou um quarto perto da Mercatorplein.

E ele mora aqui ainda?

Não, logo depois de uns meses que a gente estava aqui ele mudou pra Berlim e passou mais de 20 anos lá. Eu cheguei aqui e fiquei. Amsterdam foi o lugar onde eu mais me senti bem recebido.

O que você aprendeu de mais legal na Holanda? O que mais formou quem você é hoje?

Eu tive uma relação aqui de 11 anos.  Quando eu conheci os seus pais, uma das primeiras coisas que eu me lembro ter entendido foi que na Holanda se você não trabalha você não existe. Que trabalhar, fazer carreira é muito importante. E isso ficou muito comigo. Que o trabalho define a sua identidade. Se você não faz nada você não existe. E a coisa da ambição também. Eles exageram muito na coisa do trabalho e da ambição, falta um pouco de equilíbrio entre o prazer e o trabalho. Mas isso me inspirou muito. Aí rolou de eu querer aprender Holandês, de querer ir pra escola e fazer a minha vida aqui, na verdade. Eu senti isso mesmo. Só ser o namorado de alguém e fazer meus trabalhinhos de limpar casa e viver aqui não iria resolver. Eu teria que resolver o que eu queria fazer e fazer! E a possibilidade existia. Na época eu conhecia muitos brasileiros que estavam desanimados, que me diziam : “Não acontece na Holanda, não dá, não vai rolar… é tudo muito fechado.” Nos meus primeiros anos aqui eu me virava em Inglês, mas depois chegou uma hora que bateu mesmo que eu não ia conseguir fazer amigos, não ia conseguir fazer minha estória aqui se eu não conseguisse me abrir pra Holanda, pros holandeses. Eu não queria ficar só naquela coisa “internacional” ou de holandês que adora estrangeiro. Então eu resolvi que eu teria que fazer algo pra ir atrás disso. E daí foi. Aí começou a rolar.

Você já trabalhou com teatro no Brasil?

Na verdade quando eu era pequeno eu queria fazer balé e não pude. Depois, quando eu tinha 9 anos me colocaram num curso de teatro. E ficou. Então eu fiz muito teatro no Brasil, mas na área infantil e infanto-juvenil e amador. Mas fiz bastante coisa, isso me formou também. Foi a minha adolescência inteira, em Sorocaba. 

Você acompanha o que acontece em termos de teatro no Brasil?

Um pouco. Eu vou ao Brasil todo ano e quando eu vou eu tento pegar tudo o que dá pra pegar e eu acompanho um pouco sim. Mas estar aqui e me empenhar pra que o meu trabalho vingue aqui me separa um pouco do Brasil. A vontade de ir pro Brasil está viva, vive ainda, sempre. E claro que eu tenho as fases de querer voltar, mas sempre passa, porque eu me jogo no que eu estou fazendo aqui. Isso acaba tendo prioridade. Agora nos últimos anos, como eu sou o diretor da companhia, eu posso decidir o rumo que a companhia leva e agora está começando novamente a vontade de eu querer organizar de levar um espetáculo daqui pra lá. Ou de refazer um espetáculo que eu já fiz aqui lá, com atores brasileiros. Eu morro de medo que vá demorar muito tempo porque é complicado. A distancia faz tudo ficar mais complicado. São Paulo é complicado. Brasileiro é complicado. É complicado entrar na ‘panela’. E aqui tudo é planejado com muita muita antecedência. Eu já sei o que eu vou estar fazendo daqui a dois anos e no Brasil tudo se decide 2 meses antes. Isso complica também muito. Mas agora eu estou começando a ver se eu consigo fazer contatos, se consigo falar com as pessoas lá (no Brasil) pra ver se acontece de levar o que tem tido o maior sucesso aqui, pra lá. Isso eu tenho muita vontade de fazer.

Orlando – trailer from Toneelgroep Oostpool on Vimeo.

Existem diferenças entre trabalhar com teatro lá no Brasil e aqui?

É um mundo completamente diferente. Já existem enormes diferenças entre trabalhar na Holanda e na Alemanha que são vizinhos. Imagine a diferença da Holanda e do Brasil. No teatro se desenvolve uma linguagem que é totalmente diferente. Estes dias eu estava em Lisboa e fui ver um espetáculo de um autor holandês em Lisboa. Eu queria ver, ou melhor ouvir, como seria o holandês transformado em Português. Eu assustei, porque a linguagem dramática portuguesa é tão diferente da holandesa. O que eu vi eu adorei, na verdade. É uma linguagem escura, profunda, dramática, emocionante. Mas eu pensei: “isso não iria funcionar nunca na Holanda. As pessoas iriam achar dramático demais, visceral demais.”

Mas você acha que o (teatro) holandês poderia funcionar no Brasil?

Eu acho que o holandês poderia funcionar muito no Brasil.

Também, comparado a Portugal, o Brasil é bem “light”…

Não sei, talvez. Mas também bem ‘dark’, bem dramático. A educação de um ator no Brasil é bem clássica. O falar no palco do brasileiro me assusta de vez em quando ver porque é muito “bem fa-la-do”. (Marcus exagera na esforço da dicção) Eu penso: gente, ninguém fala assim! E o jeito de falar no palco na Holanda é bem à flor da pele, bem perto, bem honesto. Simples. Mas não melhor ou pior, só muito diferente.

E aqui o uso de microfones no palco também é bem comum…

Eu nunca uso. Eu só usei uma vez, mas porque eu estava trabalhando com uma orquestra, com 40 músicos, então precisava pra poder combinar a música e o texto. Eu gosto da coisa do ator estar trabalhando mesmo. O microfone faz você relaxar um pouco, fica uma coisa meio preguiçosa. Eu gosto que os atores trabalhem com o volume, com a voz, mas sem muita declamação. Eu gosto da coisa bem íntima, de estar bem perto dos atores, porque aí vira verdade, fica mais honesto. Mas são simplesmente diferenças de linguagem. Eu sempre vejo trailers de trabalhos brasileiros, e a minha impressão é que é sempre bem dramático. São Paulo tem essa coisa do Antunes que ficou, tá no sangue das pessoas. E é bonito também, é tradição. Então existem diferenças e estou muito curioso em pegar tudo que eu desenvolvi, que eu aprendi aqui e tentar fazer lá e ver como funciona. Por isso que seria interessante primeiro levar um trabalho feito aqui e depois um dia, em breve, trabalhar com atores brasileiros. Não posso falar muito ainda pois sei na verdade muito pouco do desenvolver do teatro brasileiro deste século.

Marcus dirigindo os atores de Angels in America

Marcus dirigindo os atores de Angels in America

 

No seu trabalho você mescla super clássicos como o Hamlet, O Quarteto (de Heiner Muller) e mesmo agora o Angels in America, com coisas de holandeses novos, contemporâneos. Você levaria um clássico ou um contemporâneo pro Brasil?

Eu gostaria muito de levar o Angels in America, que tá agora em cartaz aqui. Eu gostaria muito de começar com ele. E o sonho mesmo é levar coisas novas também porque a dramaturgia holandesa é muito boa. Escreve-se muito e muito bem aqui. Tem muitos textos novos. É inacreditável.

Trailer Angels in America – Toneelgroep Oostpool from Toneelgroep Oostpool on Vimeo.

Você não acha que faria muita falta o contexto para o público brasileiro?

Não sei, depende da tradução e do tema. Nem todo trabalho que é escrito agora na Holanda funcionaria no Brasil. Muitas coisas são muito políticas, tem muita crítica social, estes textos não funcionariam, porque são muito dependentes do contexto, de como a gente vive aqui. Mas muitas outras coisas funcionariam com certeza. Trabalhos mais universais.

Tipo Maria Goos (ndr: premiada autora holandesa) é universal….

Sim é universal, é quase global.

Marcus dirige duas atrizes em De Onrendabelen

 

Desde a crise de 2008 o governo holandês tem implementado cortes consideráveis no orçamento, o que gerou uma grande diminuição dos subsídios para a área da cultura. Estes cortes te atingiram?

Atinge todo mundo na verdade. A nossa companhia não muito, porque na redistribuição dos subsídios nós acabamos nos saindo bem. Nós fomos muito bem avaliados artisticamente e os critérios para os cortes foram escolhas bem artísticas, o que é interessante. Mas por outro lado, os cortes foram dramáticos, então no fim atinge todo mundo. Eles tiraram muito dinheiro do desenvolvimento de novos talentos. A Holanda era muito conhecida por produtoras que desenvolviam os talentos novos e isso praticamente acabou. De vinte e duas produtoras sobraram três. Então isso foi e esta sendo muito difícil pra todo mundo.

Pras pessoas terem ideia da importância dos subsídios na produção cultural aqui, você sabe qual é a porcentagem dos subsídios no orçamento da sua companhia?

É quase tudo. Nós recebemos 2 milhões e meio de euros do Governo Holandês, mais um pouco de dinheiro da cidade de Arnhem, mais um pouco da província, e o resto é de bilheteria e patrocínio.

Isso é uma diferença fundamental com o Brasil também, não? Lá as companhias dependem muito da bilheteria… Por isso que as coisas que fazem sucesso também ficam 3 anos em cartaz…

Aqui também não tem público pra isso. Aqui nada fica 3 anos, 10 anos em cartaz porque não tem público pra isso, a Holanda tem 16 milhões de pessoas, São Paulo já tem o que, 19? E um teatro pequeno em São Paulo tem 300 lugares, um teatro pequeno em Amsterdam tem 60. E tem gente que ainda tem dificuldade em achar 60 pessoas por noite, por uma semana. E todas as companhias brigam pelo mesmo público. Público que gosta de teatro e por uma geração nova. Tem toda uma geração jovem e inteligente que tem que descobrir o teatro. E a gente investe muito nisso: tentar criar um público novo, porque o público mais velho vai morrendo, literalmente. Tem gente que não reage mais porque morreu ou tem Alzheimer. Então o público teatral na Holanda envelhece muito e é muito pequeno. Nós temos a obrigação de ter 50.000 pessoas por ano de público para manter os subsídios. É pouquíssimo, comparado ao Brasil isso é “peanuts”! Um espetáculo em temporada em São Paulo chega nisso rapidinho. Então é caro fazer teatro na Holanda e tem que ter subsídio pra poder fazer. Só com o dinheiro de bilheteira não rola. E isso é uma liberdade interessante também no Brasil, poder fazer teatro com o dinheiro de bilheteria, não só com o dinheiro do subsídio, porque com o subsídio vem também um monte de obrigações. Mas o que o subsídio mais possibilita é a coisa experimental, é estar desenvolvendo a linguagem teatral, não deixar estagnar, não deixar parar naquilo que o teatro comercial já faz. Isso e muito importante!

Mudando completamente de assunto, você disse uma vez numa entrevista que sempre se sentia um “outsider” exceto quando está em casa e você também dirigiu uma peca que chamava “Em casa você nunca está sozinho”. O que é estar em casa pra você?

Essa coisa do “outsider” ficou e sempre vai ficar, eu acho. Ainda me sinto mesmo, sempre. E nos meus espetáculos sempre tem personagens que são “outsiders”, estão brigando com esta coisa. Eu acho que o fato de ir morar fora e tentar se jogar num país como eu tentei me jogar na Holanda desenvolve a sua identidade. Você muda muito. Você acaba mudando porque, como eu sempre digo, tem que mudar. Tem que se desenvolver senão não encaixa. Tem que ser maleável e isso te faz sentir só, de vez em quando. Não ter nascido aqui, não ter crescido aqui, tem essa coisa da raiz, de não poder estar com a família, de não poder ver amigos de infância. A raiz ainda cresce forte mas em outro lugar, aqui também plantei raízes mas são mais novas, fortes mas recentes. Eles não me vêem mais como estrangeiro. Quase em nenhuma crítica não se escreve mais que eu sou um diretor brasileiro. Eles me chamam de diretor e eu venho do Brasil. No começo sim, era sempre “o diretor brasileiro” mas agora mudou. Eu sou bem holandês na verdade. Procurando um equilíbrio entre os dois mundos o dado ao nascer e o conquistado na vida adulta.

Você também fala um Holandês impecável, o que faz toda a diferença…

Sim, só que no fundo eu vou sempre ser brasileiro, vou sempre ser o estrangeiro. Tem sempre alguma coisa de diferente em como eu falo, como eu sou, da minha emocionalidade, na minha busca, em como eu faço isso, tem uma diferença. Eu me sinto diferente. E na verdade eu gosto disso, eu gosto de ser brasileiro.

Então você acha que (o ser brasileiro aqui) é algo que no começo era negativo e se tornou positivo?

Sempre existe o positivo e o negativo (risos) e que você sempre vai buscar o equilíbrio entre estas duas coisas. Quando eu estou no Brasil, também me sinto muito não-brasileiro, um estrangeiro, e demora pra encontrar as palavras.

E mesmo que você não se sinta, as pessoas te fazem sentir, né? Dizem que você tem um sotaque…

Eu falo muito pouco Português, praticamente não falo. Então quando vou falar e falar do meu trabalho em Português, nossa! Enrola tudo, não sai nada, me sinto burro. Eu estudei aqui então tudo o que eu aprendi de teatro foi em Holandês . Então eu me sinto meio fora. Ser estrangeiro, ser artista sempre tem isso, são as minorias na verdade que se juntam e aumentam a coisa de ser um “outsider”.

Você tem um filho. Como aconteceu isso?

Eu tenho um filho com uma amiga holandesa. A gente se conhece já há uns 23 anos e com muita conversa, muita conversa, muita conversa, a gente chegou a conclusão que a gente ia ter um filho juntos. E temos! (risos) Simples. A gente mora um do lado do outro, a gente é vizinho mesmo, uma porta do lado da outra e o Hugo já tem 8 anos. E vivemos muito bem.

E como pai você também é um “outsider” ou um pai “normal”?

Ser pai me relaxa, e o estar em casa, eu acho que ser pai é tão mais importante que qualquer outra coisa na vida e isso desenvolve um relaxamento, um sossego, um equilíbrio grande. Estar em casa com amor, com um filho…

A casa deixa de ser um objeto e passa a ser uma família? Você não sente mais a falta da família porque você criou a sua?

Exatamente! É isso. E agora o vínculo na Holanda já é tão profundo, que voltar pro Brasil é uma coisa pra daqui a 20 anos, talvez. Mas eu ainda sinto saudades sim, pois a família brasileira esta sempre muito longe.

Quando você parar de trabalhar?

Talvez… ou quando o Hugo estiver adulto, pode ser que venha a vontade de voltar a morar no Brasil. Mas no Brasil de hoje?? Não, obrigado! Nossa! Eu tenho acompanhado, tá uma loucura! Tá todo mundo louco! Você vê as reportagens destas manifestações e ninguém sabe por que ele estão se manifestando! Eu vi várias entrevistas com pessoas nas manifestações e eles não sabem por que estão lá. Não sabem dizer o porque. A única coisa que sabem dizer é que o PT tem que sair, que a Dilma tem que sair, que tudo é uma roubalheira e ai começam os palavrões. Gente, o que tá acontecendo? Estes dias eu estava no telefone como uma amiga que mora em São Paulo e ela me falou: a manifestação que está acontecendo agora tá com cara de carnaval! Parece fim de festa, fim de jogo. As pessoas tão peladas, com peitinhos de silicone, tudo de silicone, salto alto e pelada, porque? Isso tudo por o governo ter tentado, nos últimos anos, fazer alguma coisa contra a pobreza, pra dar um pouquinho de melhora às pessoas que eram pobres, pobres mesmo e isso acabou atingindo os ricos, ou a classe média semi-alta.

Você acha que atinge em termos materiais ou …

Atinge de medo. E a classe média semi-alta é o grande problema. É ela que esta fazendo manifestação sem saber por que. E eu também vi um vídeo de uma senhora no Rio, passando por uma manifestação e atacaram a mulher! E é só palavrão, eu falei: nossa, gente, vão bater na mulher! E agora parece que fazer manifestação virou moda. Cadê esse povo nos últimos 20 anos? Onde estavam estas pessoas, que agora toda semana estão na manifestação? E a burrice enorme, sem tamanho, de querer voltar pra época da ditadura. Eu vi uma entrevista com um cara na rua dizendo que ele teve uma vida ótima durante a ditadura. Aí perguntaram pra ele o que ele fazia e ele era policial aposentado. Eu falei: então tá, né meu senhor? O senhor era policial na ditadura. Então o Brasil com isso tudo que tá acontecendo….me assusta. Eu vejo tudo de uma posição privilegiada, porque eu moro aqui. Fora, longe. Eu não posso nem reclamar do que tá acontecendo lá, não me sinto no direito de poder dizer algo sobre, então eu não reclamo mesmo. Mas me assusta. Eu vejo e penso: gente o que tá acontecendo e onde isso vai parar? O que precisa acontecer pra esta loucura parar?

Trailer Barbaren – Toneelgroep Oostpool from Toneelgroep Oostpool on Vimeo.

Koud Water from wiel on Vimeo.

© Braziel 2015
fotos e videos: divulgação Toneelgroep Oostpool

Pra assistir mais fragmentos de montagens dirigidas por Marcus Azzini, consulte a página do Toneelgroep Oostpool no Vimeo.

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Este Robin Hood holandês tem a missão de construir 1000 casas populares no Nordeste brasileiro.

quote dom gelderfoto do Facebook de Luc Bernoster

Luc Bernoster tem só 23 anos mas já sabe bem o que quer fazer da vida: ajudar os outros, deixar uma mudança positiva no mundo. Tudo começou há alguns anos quando um problema de saúde o deixou imobilizado por um bom tempo. Forçado a encarar a brevidade e fragilidade da vida, decidiu fazer bom uso da sua. Queria fazer algum tipo de trabalho humanitário, mas não sabia por onde começar. Descobriu que o irmão de um vizinho era um padre que tinha projetos sociais em comunidade carentes no Brasil e decidiu ajudá-lo, assim que o repouso obrigatório terminou. Logo depois, junto com outros 16 jovens holandeses, embarcou para o Brasil para ajudar o padre a construir uma igreja e uma horta comunitária na região de Campina Grande.

A chegada no Nordeste foi um choque: “ A primeira coisa que eu entendi foi que algumas pessoas simplesmente não têm como resolver os seus problemas, não têm nenhuma chance. Eu moro na Holanda e eu tenho. Uma das razões pelas quais as pessoas não tem nenhuma chance na vida, na região que eu visitei, é a absoluta carência de moradias. As moradias que existem são caras demais para as comunidades mais pobres e o governo do Brasil tem pouca influência sobre esta situação de mercado. Neste ponto eu pensei: alguém tem que fazer algo para melhorar esta situação e prometi àquela comunidade que este alguém seria eu.”

luc mao na massaLuc com a mão na massa, literalmente, durante sua primeira visita ao Brasil, em 2011.

Três semanas depois, de volta à Holanda, Luc retornou seus estudos pra se tornar agente imobiliário e começou a escrever um business plan, com a ajuda de um primo, bom de negócios, que gostou da ideia. O plano era construir uma pequena comunidade com 20 moradias e uma horta comunitária, cuja colheita seria distribuída entre os mais pobres. Através da namorada na época, ele conseguiu contatos na melhor escola de Administração de Empresas da Holanda. Estes contatos consideraram a ideia boa o suficiente para atrair possíveis investidores. Na mesma época, alguém apareceu na sua faculdade para dar uma palestra sobre construção com EPS. Tudo se encaixou na cabeça de Luc: segundo o palestrante, a construção com EPS era sustentável, mais rápida e mais barata que a construção com materiais convencionais.

EPS block
bloco para construção de EPS com a aplicação da tela de fibra de vidro

O que é EPS? O nome científico é “expanded polystyrene” e o nome comercial e patenteado é Airpop. Basicamente, o Airpop é um material resistente e isolante térmico, composto de bolinhas de ar coladas umas às outras com poliestireno, ( 98% ar, 2% estireno). É comparável ao material usado em embalagens de produtos eletrônicos e outros produtos frágeis. A diferença da versão usada para a construção é que ela é muito mais densa (muito mais bolinhas por m2), e uma tela de fibra de vidro é aplicada para que a pressão se distribua entre as “bolinhas” o que torna o material muito mais resistente. A sustentabilidade vem do fato que todos os restos podem ser reciclados até 7 vezes, a emissão de carbono resultante da produção do Airpop é menor comparada àquela dos materiais de construção tradicionais e as propriedades isolantes do material contribuem para um menor consumo de energia (com aquecedores em lugares frios ou ventiladores, no caso do Brasil) . EPS é 6 vezes mais isolante que os materiais de construção convencionais.

A ideia inicial da empresa EPS Building Solutions era de caráter humanitário : construir rapidamente moradias em comunidades destruídas por cataclismos como terremotos, furacões e tsunamis Logo depois, caiu a ficha na cabeça dos jovens empreendedores que fundaram a empresa e eles pensaram “ não precisamos esperar que uma tragédia aconteça. Luc explica: “O que acontece depois de um tsunami, por exemplo, é que muita gente fica sem casa, passa fome e chega a falecer, devido a condições sanitárias precárias. Mas em partes da África, esta é uma situação cotidiana, e em partes do Brasil também.“ Depois daquele momento “eureca!” , os fundadores da EPS se juntaram a outras empresas e em 2014 lançaram um plano ambicioso: 1 milhão de moradias construídas com EPS em 7 anos. 140000 já estão sendo negociadas em países como Nigéria, Ruanda e Gana, na África, e em outros países da America Latina e Ásia. Segundo Luc, o plano está andando de acordo com o cronograma. Ele explica que a parte mais demorada é antes da construção em si começar e envolve contatos com autoridades locais, agências de regulamentação, financiadores, etc.

Voltando ao nosso Robin Hood laranja, Luc agora é o responsável pelo desenvolvimento do projeto da EPS Building Solutions no Brasil, com a missão de construir 1000 moradias no país até 2020. No final de 2014 ele já passou 2 meses em Campina Grande estabelecendo os primeiros contatos oficias com o governo local. Ele explica porque este contato é importante: “ A construção com EPS chega a custar 40% menos porque a margem de lucro da empresa é de 2,5% (enquanto a margem de lucro praticada na construção convencional na região varia de 35 a 80%) e os custos com mão de obra também são  60% mais baixos.  Portanto, com o mesmo orçamento, as autoridades locais conseguem construir 40% mais moradias, e isso interessa a qualquer político. As moradias planejadas para a Nordeste brasileiro têm 62,50m2 de superfície e custariam aproximadamente 28.000 reais cada para construir.

Houseblock schuin plattegrond voor Eduardoplanta e simulação gráfica das moradias projetadas para o Brasil

Ele explica também que o aval do governo local é essencial para que o projeto da EPS Building Solutions seja aceito pelos financiadores do Programa Minha Casa, Minha Vida, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil.

Além de fazer os contatos com o governo, agências de regulamentação, e eventuais fornecedores locais (o estireno poderia ser fornecido pela Petrobrás, por exemplo), Luc pensa também em tentar criar um projeto de transferência de tecnologia com uma das universidades de Campina Grande. As primeiras casas provavelmente serão construídas em Garanhuns, em Pernambuco, onde as discussões com o governo local já estão num estágio mais avançado. Num próximo estágio, duas fábricas serão construídas no Nordeste: uma para a produção dos blocos de EPS e a outra para a reciclagem dos restos. Luc fala com tanto entusiasmo e convicção sobre seus planos que é impossível não torcer junto para que seu sonho se realize. Go, Luc!!!

luc gabineite prefeito Garanhuns
Luc no gabinete do prefeito de Garanhuns (PE) , com seu bloco de EPS na mão.

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